O Teeteto é um diálogo socrático[1] que integra a obra platônica[2], escrito em 369 a.C e tem como tema a natureza do conhecimento ou do saber. Pertence às obras da juventude de Platão, sendo considerado o último diálogo socrático. Tem como personagens o filósofo Sócrates, o professor, matemático e astrônomo Teodoro de Cirene e o jovem Teeteto de Atenas, o melhor aluno de Teodoro e que, mais tarde, foi um dos principais geômetras do seu tempo, segundo as anotações de Koyré[3].
Este trabalho integra a disciplina TÓPICOS ESPECIAIS EM FILOSOFIA ANTIGA, ministrada pela professora Maria Inês Senra Anachoreta, no Curso de Especialização em Filosofia Antiga, da PUC/RIO. O objetivo do curso é o de examinar o problema do conhecimento, a partir do diálogo Teeteto e de suas possíveis implicações com o debate acerca do desenvolvimento da chamada “Teoria das Ideias”. Neste primeiro bloco, vamos examinar as passagens 142a a 147d, que corresponde a parte introdutória do diálogo.
A passagem selecionada inclui a apresentação dos personagens que participarão do diálogo – Sócrates, Teodoro e Teeteto, homens voltados para a filosofia e a ciência – e a revelação do tema central do diálogo[4], que é a investigação sobre o que é o saber, o que é o conhecimento.
O professor José Santos Trindade, na Introdução do Teeteto, publicada na 4ª edição da Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa, sugere que, para a compreensão do diálogo platônico, há que realizar duas tarefas complementares: um exame do seu conteúdo e estrutura, aliada a uma integração do texto ao Corpos platônico, mediante a exploração das suas relações temáticas com as outras obras.
Mas, além do exame do seu conteúdo e da relação com outras obras de Platão, é preciso notar que o texto contém um pano de fundo e algumas camadas de informações, no nível filosófico e histórico, que auxiliam na sua compreensão. Platão não escreveu nada aleatório; a escolha dos personagens, os lugares, as circunstâncias, tudo tem um sentido, um valor para o entendimento da obra.
Alguns exemplos: a presença do filósofo Euclides de Megara, para quem o livro foi lido pelo escravo alfabetizado; o ambiente histórico: Teeteto volta da guerra, ferido e doente, o que nos remete ao fim do Século de Péricles, à Guerra do Peloponeso, à bela Atenas de 399 a.C, agora vencida, assassinada e dilacerada[5]; a referência aos poderes proféticos de Sócrates (Teeteto viria a ser notável, se chegasse à idade madura); a presença no diálogo de Teodoro de Cirene e do seu aluno Teeteto, matemáticos, geômetras, homens de ciências, preparados para discutir o que é o saber; a descrição dos talentos de Teeteto – (rápido a aprender, gentil, de boa memória e corajoso), que nos traz a “imagem do filósofo”, entre outras referências.
Por certo que mais importante do que este pano de fundo e estas camadas de informações, é o fato de que o bloco ora examinado, e que corresponde à introdução do diálogo, indica o tema central da obra, em torno do qual vai se desenvolver a discussão filosófica.
“O que é o saber?” Trata-se de um tema dos mais relevantes e que vai estar presente em outros pontos do Corpus platônico, como, por exemplo, na relação com a Teoria das Formas e no debate com os sofistas, a partir das concepções atribuídas a Protágoras e a Heráclito, sobre a verdade. A pergunta de Sócrates não tem uma resposta definitiva, o diálogo é aporético. As três respostas de Teeteto são refutadas. Embora Platão tenha dedicado toda a sua obra à investigação da natureza da sabedoria e das vias para a atingir, só no Teeteto o filósofo se debruça exclusivamente sobre o tema[6].
Referências
Koyré, Alexandre. Introdução à leitura de Platão. 2ª ed. Editorial Presença, Lisboa.
Mossé, Jeanne Claude. O processo de Sócrates. Jorge Zahar Editor, 1990.
Platão. Teeteto. Tradução deAdriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri. Prefácio e Introdução deJosé Trindade Santos. 4ª Ed. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa, 2015
Santos, José Trindade. Para ler Platão. Alma, cidade, cosmo. Tomo II. Coleção Estudos Platônicos. Edições Loyola, 2009.
[1] Chamam-se “socráticos” os diálogos da juventude e da maturidade de Platão. Nesses, Sócrates desempenha o papel central, o problema discutido é habitualmente um problema moral e, geralmente, esses diálogos não se “resolvem” numa conclusão positiva. (Koyré, Alexandre. Introdução à leitura de Platão. Editorial Presença, 2 ed.)
[2] A obra de Platão inclui, segundo José Trindade Santos, in Platão, A construção do conhecimento, PAULUS), 26 ou 27 diálogos, alguns dos quais não tem a sua autenticidade comprovada. São eles, em ordem cronológica: Eutífron, Apologia de Sócrates, Críton, Fédon, Crátilo, Teeteto, Sofista, Político, Parmênides, Filebo, O Banquete, Fedro, Alcebíades I, Alcebíades II, Hiparco, Amantes Rivais, Teages, Cármides, Laques, Lísis, Eutidemo, Protágoras, Górgias, Mênon, Hípias menor, Hípias maior, Íon, Menexêno, Clitofon, A República, Timeu, Crítias, Minos, Leis, Epínomis e Epístolas (Sétima Carta).
[3] Koyré, Alexandre. Introdução à leitura de Platão. Editorial Presença, 2 ed.
[4] O diálogo aconteceu no ano de 399 a.C., conforme de deduz do último parágrafo do livro (210d), em que Sócrates anuncia que vai ao Pórtico ver a acusação formulada por Meleto, contra si. “Ora bem, agora tenho de comparecer diante do Pórtico do Rei para me confrontar com a acusação que Meleto apresentou contra mim. Mas amanhã de manhã cedo, Teodoro, regressaremos aqui de novo”.
[5] “Atenas em 399 a.C: uma cidade vencida, assassinada e dilacerada”. Esta expressão é utilizada pela historiadora Jeanne Claude Mossé, no livro “O processo de Sócrates”, Jorge Zahar Editor, 1990.
[6] É-lhe atribuída a composição de 26 diálogos e um discurso (a Apologia de Sócrates), nos quais
argumenta sobre temas de todas as disciplinas filosóficas – Ética, Política, Estética, Epistemologia, Lógica, Ontologia, Cosmologia, Psicologia -, além de ter ainda tratado questões relevantes de Filosofia da Ane, Filosofia da Religião e Retórica. (Teeteto, 4ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Nota da Editora).